Facebook-icon  Twitter-icon

 

Avaliação do Usuário

Estrela ativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativa
 

Por Tamires Marinho 

Pela primeira vez um curso de pós-graduação da UnB oferece uma disciplina que aborda o conhecimento popular como foco central das discussões e abre espaço para que a ecologia de saberes seja protagonista no processo de ensino-aprendizagem. A ideia foi proposta pelo Observatório da Política de Saúde Integral das populações do Campo, da Floresta e das Aguas (OBTEIA), vinculado ao Núcleo de Estudos em Saúde Pública do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (NESP/CEAM/UnB), junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde (PPGSC/FS/UnB).

A disciplina está estruturada na análise dos resultados das pesquisas do OBTEIA contidas no livro Campo, Floresta e Águas - Práticas e Saberes em Saúde”, lançado em outubro de 2017 pela Editora UnB, e é totalmente baseada em metodologias ativas de ensino-aprendizagem com o mínimo de aula expositiva, priorizando abordagens que favoreçam um espaço plural de debate como rodas de conversa e estudos de caso. Tem como objetivo analisar conceitos e métodos de pesquisa relacionadas ao tema da Saúde das populações do Campo Floresta e das Águas e estudar o impacto do modelo de desenvolvimento neoextrativista na saúde dessas populações e as múltiplas alternativas existentes, além de discutir o processo de implantação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo Floresta e das Águas (PNSICFA) a partir de múltiplos olhares e vozes de territórios.

De acordo com o coordenador da disciplina, professor Fernando Carneiro, a ciência tem muito a aprender com os povos tradicionais que mesmo sem ter um sistema de saúde sempre cuidou de sua comunidade na floresta usando recursos da própria natureza. “Se você soma o conhecimento indígena de fitoterapia e dialoga com o farmacêutico voltado pra pesquisas nesse campo, existe um potencial extraordinário desses saberes se complementarem. Essa é a ideia da ecologia de saberes e nós já praticamos essa metodologia no OBTEIA e nas nossas pesquisas e, agora, temos a oportunidade de fazer isso de forma inédita em uma disciplina de pós-graduação, pois não basta ensinar ecologia de saberes, é preciso promover uma práxis desta”.

A disciplina de verão está sendo ofertada na modalidade optativa, mas há um interesse dos professores em torná-la permanente já no próximo semestre.

Pedagogia do exemplo

Considerando a ecologia dos saberes como um conceito baseado na ideia de que o saber popular em diálogo com o saber científico é capaz de construir um outro saber que pode ser até mais efetivo para mudar realidades, o corpo docente da disciplina traz na sua equipe uma professora cuja formação não foi forjada nos bancos universitários, fundamentada exclusivamente em teorias, mas sim em espaços onde a luta diária pela garantia dos seus direitos tanto como mulher, pescadora, negra,  quilombola, como pesquisadora popular do OBTEIA, lhe concedeu experiência suficiente para falar sobre uma realidade que ela vive e conhece melhor do que ninguém.

Eliete Paraguassu assumiu a função de professora com a missão de preencher uma lacuna que para ela sempre dificultou a relação entre os profissionais de saúde e a sua comunidade. “Nós nunca fomos reconhecidos como professores que de fato somos, portadores do saber que adquirimos com nossas vivências e essa disciplina é uma grande oportunidade para falarmos sobre isso, faz com que a gente se sinta contemplado para contar o que a gente vive, pois para nós é muito importante esse ouvir. A gente poder falar para as pessoas que trabalham no dia a dia com a saúde da nossa comunidade, que são os profissionais de saúde, que nunca nos ouviram e a gente sabe que as coisas acontecem bem quando nos ouvem”.

Eliete acredita que essa iniciativa abrirá outras portas para que os povos tradicionais estejam cada vez mais presentes e atuantes dentro das universidades promovendo essa troca de conhecimento tão importante para ambos os lados. “As comunidades precisam estar mais nas universidades e em todos os espaços que a sociedade se forma para trabalhar com a gente, pois quando a academia nos ouve ela tem a oportunidade de desenvolver um olhar diferenciado para nossa realidade. A gente partilha o que tem e o que sabe com a esperança de que lá na frente a gente vai ser atendido melhor, vai ter um futuro melhor”.

Para Fernando esse é o principal ponto que torna essa disciplina inédita na academia. “A gente não está aqui ensinando ecologia dos saberes, nós estamos praticando e isso é que a gente chama da pedagogia do exemplo. A disciplina já nasce e é praticada com essa perspectiva, ao mesmo tempo que se coloca questões teóricas, coloca-se questões dos movimentos sociais”.

Além de Eliete Paraguassu, o corpo docente é composto por profissionais de diversas áreas, tanto da UnB quanto de outras instituições.  

Claudia Pedrosa, professora do Departamento de Saúde Coletiva da FS/UnB e especialista em estudos de gênero e ruralidade também compõe o quadro de docentes da disciplina e trouxe em suas aulas um tema ainda pouco discutido no ambiente universitário. “A disciplina foi inovadora por trazer para dentro da academia um debate tão necessário com o movimento social, que é a questão da violência contra as mulheres do campo floresta e águas.  Tivemos a oportunidade de problematizarmos, por meio de estudos de caso e analisando  os dados da pesquisa que coordenei em 2011, com o pesquisador Alexandre Arbex, “Pesquisa Perfil socioeconômico e condições de vida das mulheres trabalhadoras do campo e da floresta”, como ainda está invisibilizada  essa questão em nossas práticas e estudos.

Segundo a professora, a discussão foi bastante qualificada e pode-se refletir, no campo da saúde coletiva, quais os caminhos e contribuições são possíveis de se implementar como sanitaristas implicados com a promoção dos direitos das mulheres.

Alana Maciel, Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Meio Ambiente e desenvolvimento rural da Faculdade de Planaltina é uma das estudantes que está cursando a disciplina. Para ela, compreender as necessidades do seu sujeito de pesquisa e o contexto em que ele está inserido é essencial para o desenvolvimento de uma prática mais efetiva que ultrapasse o campo das teorias e transforme, de fato, realidades.

“Eu estou muito feliz com a oportunidade de estar cursando essa disciplina, de fazer parte dessa primeira turma já que, particularmente, eu me identifico muito com a temática, pois meu avó era ribeirinho, ele pescava para sobreviver e hoje na minha pesquisa eu me deparo com ribeirinhos e a gente costuma ter uma visão muito diferente da realidade dessas populações que, de modo geral, são sempre muito negligenciadas. São aspectos econômicos, sociais e ambientais únicos, singulares, que nós temos que compreender e eu vejo que essa disciplina está me abrindo as portas para tentar mudar um pouco dessa realidade”.

Alana ressalta o papel das políticas públicas para garantir que todos e todas tenham suas demandas atendidas considerando as particularidades de cada população. “A disciplina está me mostrando muitas coisas como, por exemplo, a diferença no acesso às políticas públicas e a necessidade de se desenvolver um olhar mais sensível para essas populações. Nós temos que escutar quem está na ponta, temos que fazer políticas públicas para eles, adequando à realidade e às especificidades deles”.

A estudante acredita que é extremamente importante, tanto do ponto de vista ético quanto metodológico, que os pesquisadores apresentem uma devolutiva para a população que forneceu dados para sua pesquisa. “Uma coisa que eu estou aprendendo muito na academia é que não basta ser um pesquisador, fazer artigos e trabalhos acadêmicos, é preciso ir além e realizar uma ação concreta para levar qualidade de vida àquela população que faz parte do meu objeto de estudo e isso inclui apresentar os resultados do meu trabalho à ela”. 

No encerramento da disciplina será realizada uma avaliação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo Floresta e das Águas durante a exposição de um painel que contará com a participação de representantes do Ministério da Saúde, movimentos sociais, Fiocruz e UnB. A atividade acontecerá nessa sexta-feira, 02/03, a partir das 13h, na Fiocruz/Brasília e é aberta a todos que se interessem pelo tema.

 

 
observarh2
 
 
Observatório da Saúde Indígena
 
Saúde LGBT
 
oiapss2
 
Educação, Equidade e Saúde
 
Estudos Comparados
 
Rede de Observatórios em Saúde e Equidade
 

Notícias